sexta-feira, 14 de março de 2008

Bolhas



Recebi de Mariana, meu chuchu, a Maricota, a dona da Casa da Vila. Como ela mesma gosta de dizer, minha amiga das maiores presepadas. Meu Bancão, próspera que nem eu, também deu sinal de vida. Um chacoalhão cheio de carinho, como só ela sabe dar. E já não me sinto tão só no meu lugar.

"Alguns autores são verdadeiramente geniais na hora de capturar
o frágil bater de asas do tempo. Lembro, por exemplo,
da obra-prima que é Espelho Quebrado, de Mercé Rodoreda.
O romance retrata sessenta ou setenta anos de vida de uma
família da burguesia catalã; no primeiro terço do livro, um dos personagens, ainda jovem e inocente, contempla a rua através
de uma janela e nota, de passagem, uma pequena imperfeição
na vidraça, uma bolha que deforma o vidro, mancha de açafrão
que faz essa janela adquirir realidade. Muitos anos e muitas
páginas depois, o mesmo personagem, tão envelhecido como
envilecido, torna a contemplar o mundo através de outra janela.
Mas eis que esse vidro tem também um defeito, uma pequena bolha,
que lembra ao protagonista alguma coisa que ele não sabe o que é.
Onde vira antes algo parecido?
Espreme a cabeça mas não conseguecaptar, por mais que a bolha de ar
lhe inquiete e o faça estremecer, evoque paraísos perdidos, promessas
traídas, felicidades estragadas. Ela é um mensageiro do passado e vem
carregada de dor e melancolia. E o mais grandioso, o mais maravilhoso,
o truque admirável dessa delicadeza prestidigitadora que foi Rodoreda,
é que o leitor sente a mesma coisa que seu personagem; também
rememora vagamente outra borbulha cristalina que havia aparecido
antes do romance e, embora não se lembre quando nem por quê, sente
que tenha a ver com um tempo de felicidade que agora terminou. Por
conseguinte, o leitor também experimenta a nostalgia infinita, a amarga
tristeza da perda."

Rosa Montero, em A Louca da Casa

3 comentários:

Anônimo disse...

e tá todo mundo junto, né... eu sempre penso nisso, mesmo quando tô sozinha na casinha, q já voltou a ser o meu lar doce lar... mas eu penso mesmo, que quando quero levantar, tem sempre alguma ou todas vcs, perto de mim... penso mesmo, viu... e bolhas existem para ser alfinetadas, meu bancão...

Caiê disse...

"agulhas para bolhas". a gente sempre encontra... às vezes alguém coloca na nossa mão. às vezes a a gente procura, se preciso num palheiro. mas sempre encontra.

Helena disse...

essas bolhas de vidro...dessas que se cristalizam...é mais fácil ainda se livrar, minhas prósperas. é só quebrar! só é preciso força.